O que eu era antes de você.

O que eu era antes de você.

(Leia ao som de Don’t forget about me da Cloves)

Eu estava a um tempo sem sentir nada, eu não conseguia. Era de casa pro trabalho e do trabalho pra casa e no final do dia era mesma cena patética de esperar a porta se abrir e ser ele. Mas a porta nunca se abriu, ela tava mais do que fechada, tanto do lado de dentro quanto do lado de fora. A porta metaforicamente acabou sendo eu, e acaba se tornando como fiquei durante todos esses meses esperando algo acontecer e me tirar do meu estado de inércia. Algum sopro de insanidade que me fizesse levantar do sofá e abrir as janelas, que me fizesse assistir uma comédia no cinema sozinha sem medo do que as pessoas iriam pensar, algum motivo pra eu parar de culpar a mim mesma por tudo o que ainda sinto que não adianta de nada sentir. Não mais. Até que aconteceu, e daí que entra você. E daí que você entra nessa história.

Eu esperava não sentir também quando esse dia chegou. Mas as vezes o amor acaba sendo fogo que arde sem se ver, obrigada Camões, você acertou em cheio. Porque quando você chegou eu me descuidei ao deixar a porta meio aberta e foi o suficiente pra você entrar. Não sei se foi naquela Sexta-feira que eu me permiti ser quem eu já tinha esquecido que eu era uma vez antes de te conhecer. Mas sei que foi difícil, e ainda é, é difícil te deixar entrar assim, eu não conheço muitas formas de se apaixonar, só sei como muitas delas terminam. E sei que se tudo tem um final é porque se algo tivesse dado certo, o fim não existiria. E disso, não tem como discordar.

Mas ainda tem aquela parte de mim, a parte de mim que quer se esconder no banheiro e nunca mais sair, que chora baixinho depois de tentar forçar as lágrimas caírem porque nem pra isso meu coração entende que tem de fazer de vez em quando pra não deixar tudo acumulado, ele apenas fica lá, batendo e esperando não apanhar tanto algum dia. Mas a outra parte, ficou feliz porque você não pediu licença e nem foi o cara mais esperto do mundo ao fazer alguma coisa aqui dentro de mim se acender e falar “olha, eu ainda funciono”. E nem precisou dizer meias palavras porque só estar ali, me dando as mãos já bastava, bastava pra silenciar o caos que sempre vivi e continuo vivendo. A sua participação na minha história começou sendo uma marcação de rodapé no meu livro surrado que eu já cansei de ler, mas ainda assim é algo novo, é algo que me faz sorrir se eu encaro por muito tempo ao lembrar das suas piadas sem graça.

O que eu era antes de você não me permitia tentar, não me permitia dar um tiro no escuro, não me permitia pular se nem você soubesse qual seria a altura, mesmo que estivesse lá no final me esperando de braços abertos. Eu sempre sei quando eu vou cair e vou acabar me machucando, e você se tornaria do herói que me salvou pro vilão que levou a única parte sã de mim que ainda restava a acreditar em algo que tanto me recuso a ter fé. A achar que algum sacrifício compensa se for pela minha felicidade e não só pelo capricho de insistir. Mas durante esse tempo que não foi muito, eu aprendi, e abri as cortinas de casa, e desviei do meu caminho algumas vezes pra te encontrar e o melhor de tudo, me encontrar e tentar acender a minha própria luz sozinha, e me reinventar como você sempre diz, e te deixar fazer ser não só uma nota e sim um capítulo inteiro de um livro novo. E se um dia souber disso, sabia que o que eu era antes de você não me permitiria tentar, mas eu tô, eu tô deixando a minha porta aberta não por você, mas pra um dia eu acabar ganhando alguma coisa se eu tanto me perder pelo caminho e nunca mais achar, e se achar, que seja algo que finalmente possa me fazer feliz.